Principado Romano
A vitória de Accio abriu uma nova era: Roma, centro político do Mediterrâneo, progressivamente iria adaptar-se à administração das vastas Tenas que compunham seu império, e dar forma legal ao governo militar, que se superpusera aos órgãos políticos da cidade – Estado. Em 27 AC, Otávio adotou o cognome de Augusto, ao mesmo tempo que se consumava a transposição constitucional, por meio de um compromisso com as principais instituições da república; em princípio, o Senado dividiria a s tarefas administrativas e políticas com a autoridade militar.
Transição
Tal compromisso deu origem ao regime que vigorou na primeira fase do império (27 AC – até o fim do séc. II DC), cuja denominação de Principado, deriva do título de princeps, assumido em 28 AC por Augusto e daí em diante pelos chefes de Estado. As ressonâncias republicanas desse Título (princeps senatus, primeiro da lista senatorial) refletem a posição constitucional do governante.
Característica
O principado, assim, caracteriza-se por uma, dupla base política. De um lado, a autoridade civil, conferida ao príncipe pela Tribunícia potestas, que lhe proporcionava o direito de convocar o Senado e os comícios, tornava-o inviolável enquanto tribúno da plebe. Ampliavam essa autoridade certas prerrogativas extraordinárias, tais como as faculdades de incluir e recomendar nomes de candidatos as magistraturas (nominatio ecommendatio), o direito de nomear funcionários imperiais nas províncias, o direito de adlectio, seja, de inscrever no álbum senatorial indivíduos sem qualificações do cursus honorum, a direção da política exterior e o poder de legislar por atos pessoais.
O Problema do “Optimus Princeps”
Acabou-se a nostalgia da liberdade republicana e acabaram-se a s discussões sobre César e Pompeu.
A monarquia reflete a hegemonia romana e permanece sendo o regime mais desejável. “Como é preferível ter somente um mestre que servir !”
Mas aprendeu-se a opor dominatio e principatus. O principado foi corrompido pelos príncipes maus. O que se queria é que o príncipe fosse “excelente” em vez de “feliz” ou “grande”.
O príncipe ideal deve ser um “homem” sem querer ser igualado aos “deuses” deverá ser um “cidadão” e não um “tirano”, deve ser um “pai” sem comportar-se como “senhor”, porque ele é definido também por oposição ao pior dos príncipes.
O príncipe não é muito jovem num muito velho; Tem um talho elegante, o corpo “aperfeiçoado pelo trabalho e os membros robustecidos pelos exercícios”; o semblante grave, mas afável. Percebe-se que é um homem de ação, capaz de mudar os trajes civis para vestir a farda de guerra. Nada de principesco nem de sagrado, mas uma majestade que afasta as imoderações demagógicas e que inspira uma veneração de caráter religioso. Ele anda a pé, permite aos concidadãos que se aproximem, sem se irritar comas reclamações que fazem. Sabe também divertir-se conversando com pessoas de cultura ou caçando; o príncipe leva a vida de um senador com um pouco mais de aparato.
A idade do despotismo esclarecido: Flávios e Antoninos
O PODER exercido pelos sucessores; de Augusto foi meramente pessoal e seu modo de vida mais do que discutível: a atmosfera de sua corte era de intriga, crime e escândalo. Cresceu, por isso, entre as classes dirigentes do império uma forte oposição ao principado como instituição. Os pregadores da moralidade estóica, cuja influência sabre as camadas esclarecidas da sociedade aumentava firmemente, forraram uma teoria que se chocava com os pontos de vista mantidos pelos imperadores posteriores a Augusto.
Consideravam estes a sua autoridade como um direito pessoal, firmado na ligação com o falecido imperador; de acordo com os estóicos, porém, era falso considerar o principado como algo que pretendesse apenas gratificar a ambição pessoal, ou como um despotismo baseado na violência e na força. 0 poder, diziam ele, era confiado por Deus ao homem moral e intelectualmente superior ao resto da comunidade, e seu exercício adequado era um dever imposto por Deus, uma pesada obrigação pessoal. 0 governante, príncipe ou rei, não era um senhor, segundo o ensinamento estóico, mas um seno da humanidade e devia trabalhar para o bem de todos, e não em prol de seus interesses próprios e de sua manutenção no poder.
Essa teoria não era nova: fora criada e sustentada pelos cínicos, passando destes aos estóicos e dela haviam participado muitos dos melhores governantes da Idade Helênica. Foi também, em certas proporções, a fundação de uma moralidade nova o que Augusto ditou a seus contemporâneos, pelas palavras de Horácio, e especialmente à classe que servia ao Império por ele criado. Quase toda a sociedade romana a adotou aos poucos, e seus defensores acabaram por impô-la à consideração dos governantes. Tal ponto de vista era defendido com ousadia por muitas das vítimas do reinado de terror de Nero.
Os acontecimentos que se seguiram à morte de Nero porém provaram que a monarquia, qualquer que fosse a sua forma, era inevitável, e que só essa forma de governo era reconhecida pela massa do povo e especialmente pelo exército, e que uma campanha para restauração do antigo sistema senatorial não era apenas inútil, mas infinitamente prejudicial, porque poderia levar à guerra civil, com todos os seus horrores. Por isso, o aparecimento de uma nova dinastia no trono, por mais que devesse ao acaso a sua ascensão, não provocou nenhum protesto da sociedade romana. Os homens esperavam que o principado regenerado realmente desse ao mundo um exemplo do poder nas mãos “do melhor”, exercido com o devido respeito pela Constituição estabelecida, e sem prejuízo dos privilégios desfrutados pelas classes superiores.
Essa esperança não foi decepcionada pelos reinados de Vespasiano e de seu filho mais velho, Tito. Vimos que o primeiro, pelo menos teoricamente, considerava seu governo uma continuação do principado de Augusto, e que o segundo realmente se aproximou do ideal estóico. Mas de fato o poder de Vespasiano dependia inteiramente de sua ligação com os exércitos. Isso se prova pelo título de imperator que, como Augusto, adotou como nome pessoal, reafirmando com isso o seu comando dos soldados e também a natureza hereditária e sem limites de sua autoridade. O mesmo podemos deduzir de suas persistentes tentativas de restringir a sucessão à própria família. Seu esquema foi vigorosamente contestado pela oposição, afirmando esta que o herdeiro do trono devia ser “o melhor dos melhores” – em outras palavras, o melhor entre os senadores – e que o parentesco com o atual governante deveria ser ignorado. Essa posição provocou uma tensão ainda em vida de Vespasiano. Ele e seu filho Tito, porém, reinaram apenas doze anos, durante os quais ocuparam totalmente da recuperação do Estado, especialmente de suas finanças, arruinadas pela extravagância doentia de
Nero e pelo custo da guerra civil dos anos 69 e 70 de nossa era. Evitaram ambos, por isso, levar a questão às conseqüências finais, mantendo-se sempre que possível dentro dos limites da Constituição de Augusto.
Domiciano, o filho mais novo de Vespasiano e o terceiro da dinastia Flávia, tornou impossível qualquer meio-termo. Rejeitou a teoria do “melhor homem” como governante do Estado e, mais ainda, tirou as conclusões lógicas inevitáveis dessa rejeição. Tomando o caminho trilhado por César e seguido por Antônio e Calígula, Domiciano acentuou em todos os seus atos a natureza absoluta de seu poder e a condição sagrada de sua pessoa. Demandava uma submissão cega a e confiava apenas no exército, que subornou com um aumento considerável de salários, tanto dos oficiais como dos soldados.
Havia, porém, e como mais tarde veremos, razões políticas e militares para tal aumento.
A tentativa para transformar-se num autocrata do tipo helênico contrariava as esperanças e as idéias da sociedade romana e encontrou intensa oposição em todas as classes. O descontentamento do Senado foi esmagado com grande crueldade, sob a alegação de combate aos “filósofos”, ou, em outras palavras, a todos os que apoiavam e pregavam a nova teoria de uma relação adequada entre os governantes e seus súditos. O espírito de oposição, porém, não se limitava a Roma: difundiu-se também nas províncias. O mundo helênico e Alexandria, sua capital intelectual, há muito alimentavam o descontentamento. Os filósofos que, como Dión Crisóstomo, haviam sido expulsos de Roma atacavam com eloqüência a “tirania”, defendendo a teoria do poder real tal como exposta pelos estóicos. Apolônio de Tiana, filósofo e profeta, clarividente e miraculoso, tornou-se um ídolo. Finalmente,
Domiciano tombou, vítima de um conspiração palaciana. Embora a ocasião de sua morte tenha sido acidental, foi indubitavelmente provocada pelo crescente ressentimento contra sua política.
Como sucessor de Domiciano, o Senado e os exércitos proclamaram Caio Coceio Nerva, que pertencia a antiga e nobre família romana. A substituição de governo se fez sem derrame de sangue. Nerva, que era muito respeitado mas já idoso, reinou de 96 a 98. Começou fazendo concessões à opinião pública. Uma de suas primeiras ações foi adotar Marco Úlpio Trajano, de família romana residente na Espanha, universalmente conhecido como hábil e experimentado general e também como defensor sincero da teoria estóica de governo. Com Nerva e Trajano tem início um novo capítulo da história do principado, no qual a característica principal é a harmonia entre a autoridade suprema e a comunidade. Esta reconhecia, de uma vez por todas, o principado como indispensável e se prontificou a servi-lo. Em troca, o princeps aceitava a teoria estóica do poder imperial, integralmente, e tacitamente se comprometia a respeitar os sentimentos e a manter os privilégios da classe dominante. Também se comprometia a respeitar as antigas forma constitucionais, e a agir, pelo menos na aparência, não como monarca de poder ilimitado, mas como o primeiro e o melhor cidadão, como tal livremente reconhecido pelo Estado.
Nenhuma modificação essencial do principado resultou dessas concessões. Pelo contrário, o poder do princeps aumentou com a reconciliação com a comunidade, tornou-se menos limitado e mais autocrático. Os senadores, felizes por conservarem seus privilégios e sua alta posição no Estado, estavam prontos a se submeterem, tornando-se apenas um órgão consultivo do imperador. Não obstante, este estava moralmente comprometido pela aceitação sob pressão da opinião pública, da teoria estóica do dever de governante – comprometido ainda por aceitar a teoria sem reservas e conformar a ela seu comportamento pessoal. Isso se evidencia claramente pelo fato de renunciarem à idéia de um império hereditário, à transmissão do poder dentro da mesma família, o que se tornou ainda mais fácil pelo fato de não terem vários imperadores herdeiros direitos. A adoção substituiu, portanto, a herança, e os imperadores tentavam honestamente escolher para seus sucessores os melhores homens ou os jovens mais promissores da aristocracia.
Tal sistema de adoção produziu resultados excelentes. Roma não teve uma sucessão de governantes capazes, honestos, trabalhadores, patriotas e consciosos como nos primeiros 75 anos do século II. Os imperadores diferenciam pelo caráter, temperamento e origem: alguns pertenciam à nobreza italiana, outros à provincial, mas todos puseram em prática o mesmo princípio e colocaram acima de tudo o dever de trabalhar pelo Estado, pelo império e pelo bem-estar de seus súditos.
Após o curto reinado de Nerva, as bases da nova política foram lançadas pelo cuscessor, Trajano, que reinou de 98 a 117. De todos os sucessores de Augusto, Trajano é o mais notável. Foi um grande gênio militar e um estadista de visão, que compreendeu claramente os problemas imediatos do império e os perigos que o ameaçavam externamente. Além disso, era excelente administrador, influindo em todos os detalhes do governo e dirigindo pessoalmente seus subordinados, que escolhia cuidadosamente entre a aristocracia governante. Sua correspondência com Plínio, representante típico de uma classe de servidores públicos bem-nascidos e educados, proporciona um exemplo notável de colaboração honesta entre governante e seus subordinados,
pelo bem do Estado.
Bibliografia
1. A história Social do Brasil
Géza Alföldi
2. História de Roma
M. Rostovtzeff
3. Coleção Universitária de Ciências Humanas (O Direito Romano) – Jean Marie Engel, Jean Remy Palanque
4. Enciclopédia Mirador