O conceito de alimento
Definir alimento, convenhamos, é um assunto meio complicado, mas nesse terreno até os nutricionistas concordam em algumas questões suficientes para uma definição satisfatória. E talvez ela ajude a deixar claro pelo menos o que não é alimento.
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O Dr. Cleto Seabra Veloso assim define alimento: “Toda e qualquer substância, orgânica ou mineral, que introduzida no organismo em proporções convenientes é capaz de assegurar-lhe o desenvolvimento e a conservação normais no meio em que vive”. Para completar sua definição o Dr. Cleto pede a ajuda do seu colega Dr. Sebastião Barroso: “O alimento deve ser comível, ser digerível, e ser nutriente”. (9)
A nutricionista Rebeca de Angelis diz que “alimento é aquilo que entra no organismo para fornecer energia, matéria viva de crescimento, manutenção, reparo, reprodução e excreção”. (10)
Dessas duas definições depreende-se que os alimentos desempenham papéis no organismo: plástico, energético, regulador e protetor. O papel plástico (construção do corpo) cabe, grosso modo, às proteínas; o papel energético aos carboidratos e gorduras; e o papel regulador e protetor às vitaminas, e sais minerais. A água e as fibras têm uma participação especial.
Um assunto polêmico envolve o papel energético dos alimentos. Desde Lavoisier que se repete a comparação entre alimento e combustível, segundo o fundador da medicina experimental, Claude Bernard: “A comparação entre alimento e combustível é pouco exata, porque o organismo não emprega para as suas atividades o calor de combustão dos próprios alimentos, mas utiliza diretamente a energia química neles contida e no oxigênio, energia química que por comodidade é medida calorimetricamente, mas que no corpo realiza outras transformações: distribui-se em soluções de concentrações diversas, em sistemas complexos; transforma-se abundantemente em energia de superfície que, por sua vez, cria forças tensoras e atrativas (absorção); estabelece potenciais de membranas e finalmente reflui irreversivelmente no mar morto da energia menos nobre, a mais degradada, que é a energia térmica, e sob essa forma, se não há trabalho externo, abandona o organismo”. (11)
E aprofundando o assunto com nosso Dr. Seabra Veloso: “Na máquina mecânica o combustível desenvolve energia que se traduz em força, em trabalho, em movimento, mas as peças se gastam; na máquina orgânica, porém, além da energia e do calor resultantes, o alimento repõe os gastos ocorridos, e refaz as células, tecidos e órgãos. De modo que esses se renovam automaticamente. Constitui isso uma das maravilhas da vida”. (12)
Levando em consideração o exposto, faço a pergunta: açúcar pode ser considerado um alimento? Acredito que não.
Se levarmos em consideração todas as definições de alimento que vimos, de Cleto Seabra Veloso, Rebeca de Angelis, Sebastião Barroso e Claude Bernard, o açúcar não se enquadra em nenhuma delas; sai reprovado em todas. A alma do conceito de alimento é ser fonte de nutrientes e o teor de nutrientes do açúcar é ZERO! Aquilo a que o açúcar se propõe – fornecer energia – é uma proposta de fazer chover no molhado, posto que TODOS os alimentos (carboidratos, gorduras e proteínas) já fornecem a energia de que o corpo precisa ao mesmo tempo em que o nutrem. A capacidade do açúcar de “repor os gastos ocorridos, e refazer as células, tecidos e órgãos” é igualmente ZERO! E o que é pior: o açúcar além de não fornecer nenhum nutriente ainda vai precisar de nutrientes das reservas do corpo para poder ser metabolizado, desvitaminizando, desmineralizando e desidratando o organismo.
O médico Nilton de Oliveira considera o álcool um alimento energético “porque do ponto de vista fisiológico fornece energia mediante o processo de oxidação; entretanto não se incorpora ao organismo como nutrimento”.(13) O açúcar é candidato a esse status, mas ao contrário do álcool ele “se incorpora” ao organismo da pior forma possível: “aleijando” proteínas pelo processo de glicação não-enzimática. Portanto o açúcar “poderia” até ser um alimento energético se não fosse essencialmente patogênico, atributo que desqualifica-o como alimento.
O açúcar, a meu ver, sequer pode ser considerado um alimento concentrado ou um alimento derivado, como erroneamente o qualifica o mencionado Dr. Cleto Veloso. A partir de determinado ponto em seu processo de refinação ele deixa de ser alimento e assume o caráter de um composto químico puro.
O açúcar engana muita gente pelo fato da sacarose ser constituída de duas moléculas uma de glicose e outra de frutose, dá a falsa impressão de que o açúcar é uma fonte desses nutrientes. O mel, um alimento de verdade, é fonte de glicose e frutose. Acontece que o mel oferece esses “açúcares simples” já prontos para uso, previamente hidrolisados pelas abelhas que possuem enzimas específicas para tanto; além de ser rico em outros nutrientes.
A maioria dos médicos pensa que a fácil e rápida hidrólise da sacarose é gratuita, mas para ser aproveitado pelo corpo necessita de uma hidrólise onerosa para o organismo. O açúcar é depletor de nutrientes, rouba vitaminas, sais minerais e até desidrata, e vem acompanhado de resíduos químicos dos agrotóxicos.
A ingestão de açúcar altera o funcionamento das glândulas endócrinas, pâncreas, suprarrenais, pituitária e até do fígado. Puxado pela hiperinsulinemia o sistema glandular endócrino, com o tempo, tende a se esgotar, e o pâncreas perde a sintonia fina que existe entre níveis de glicose e doses de insulina, o glucagon e até a adrenalina entram nessa dança. E o abuso de oferta de insulina faz com que, com o tempo, ela perca a eficácia. O equilíbrio ácido/base e o equilíbrio osmolar, também são alterados e há formação excessiva de radicais livres em seu corpo gerando estresse oxidativo. A glicação (ex glicosilação) que toma conta de proteínas do sangue, de órgãos, tecidos e células é algo semelhante a cupim atacando móvel de madeira ou ferrugem atacando uma máquina de ferro. O sistema imunológico e o metabolismo também são debilitados. A festa que o açúcar faz no corpo humano ainda está para ser mapeada pela medicina com ajuda da bioquímica.
Um bom critério para deixar clara a nulidade nutricional do açúcar é examiná-lo a partir de um ponto-de-vista negativo. Quando uma pessoa deixa de ingerir um nutriente essencial contrai uma doença, são as chamadas doenças carenciais ou avitaminoses. Assim, quem deixa de consumir alimentos que contenham vitamina A contrai cegueira noturna. Povos cujo alimento básico da sua dieta era o arroz integral, rico em vitaminas do complexo B, ao transitar para o arroz branco polido e pobre dessas vitaminas contraíram beribéri. A falta de vitamina C gera escorbuto. E assim por diante. Sabem o que acontece a uma pessoa que deixa de comer açúcar? Não só não vai contrair doença nenhuma como ainda vai ficar livre da possibilidade de cáries dentárias, obesidade, diabetes, doenças cardíacas e outras do largo espectro das doenças crônicas, não transmissíveis.
Com certeza todos os órgãos do seu corpo vão cantar em coro para o açúcar aquele verso de conhecido samba “sabe quem perguntou por você? Ninguém”.
Sobre o texto acima:
O texto acima foi retirado do livro “O livro negro do açúcar”.
Titulo do Livro: O livro negro do açúcar
Subtítulo do Livro: Algumas verdades sobre a indústria da doença
Texto enviado às 15:33 – 13/01/2009
Autor do Livro: Fernando Antonio Carneiro de Carvalho
Fontes:
9 – VELOSO, Cleto Seabra. Trinta regimes alimentares. Rio de Janeiro: Leitura, 1968, p. 40.
10 – ANGELIS, Rebeca C. de. Fisiologia da nutrição. São Paulo: Edart/USP, 1977, p. 22.
11 – BERNARD apud VELOSO, Cleto Seabra. Op. cit., p. 40.
12 – VELOSO, Cleto Seabra. Op. cit., p. 40.
13 – OLIVEIRA, Nilton M. B. de. Dietoterapia na prática médica. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 1975, p. 7.
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