James Watt (1736 – 1819)
O sonho de Leonardo da Vinci era dispor dos recursos técnicos capazes de movimentar as máquinas criadas pelo seu gênio. Sua imaginação projetava automóveis, aviões, máquinas para trabalhar metais, para mover a água, para transportar e mover corpos pesados. Nenhuma de suas idéias, porém, era utilizável, pois a todas elas faltava um motor. Os carros armados de Leonardo eram puxados por cavalos, a máquina voadora tinha por motor o homem.
Muitos séculos ainda deviam passar antes que fosse criado um mecanismo simples e manejável, mas sobretudo leve, destinado a substituir com vantagem os músculos dos animais, a força hidráulica ou os moinhos de vento.
Há milhares de anos o homem aprendeu a utilizar a força oferecida pela natureza numa queda-d’água, motor primitivo e natural. Por volta de 1700 tornou-se conhecido um princípio físico que poderia servir na construção de um motor: um inglês, Thomas Newcomen, construíra um aparelho que utilizava o vapor de água produzido numa caldeira, aquecida com carvão, para fazer girar uma bomba. A máquina tinha um movimento alternativo simples e constituiu, durante mais de meio século, o meio mais eficaz para bombear água.
(Mina inglesa)
A invenção de Newcomen, divulgada em 1712, foi de grande valia para a luta contra os alagamentos nas profundas minas de carvão. Muitas vezes os trabalhos eram paralisados durante meses, até ser bombeada a água de riachos subterrâneos. Para isso, utilizavam-se mecanismos movidos por cavalos, que faziam girar engrenagens coligadas aos eixos das bombas. A solução encontrada por Newcomen era primitiva e o trabalho bastante árduo, mas a próspera indústria extrativa do carvão estava disposta a pagar qualquer preço, para que as minas fossem secadas e drenadas.
Esse era o ambiente em que um jovem inventor conseguiu penetrar, propondo a solução certa: um motor eficiente que abriu um novo caminho, o da Revolução Industrial.
(Barco a vapor)
James Watt nasceu a 19 de janeiro de 1736, em Greenock, Escócia. Era o sexto de oito irmãos, cinco dos quais morreram na infância. Não era absolutamente uma criança prodígio: muito indolente, gostava de dormir até tarde; tinha saúde fraca e esses fatos (aliados ao carinho um tanto excessivo da mãe) deram origem a um sentimento de timidez e desconfiança em relação à vida. O menino era, além disso, atormentado por terríveis dores de cabeça, que se prolongaram até a idade adulta. Desse modo, muitos eram os dias em que James ficava preso à cama, fechado no quarto.
Para distraí-lo o pai dava-lhe, como brinquedo, diversos instrumentos de navegação, dos quais era hábil e renomado consertador. O garoto teve, portanto, bússolas e sextantes como primeiros brinquedos, e em pouco tempo sabia montá-los e desmontá-los quase de olhos fechados. Essas brincadeiras assumiriam, mais tarde, importância fundamental.
Seus primeiros mestres foram o pai e a mãe. Como não conseguiu freqüentar a escola primária, aprendeu com eles a ler e a escrever, além de rudimentos de aritmética. Mais tarde, por volta dos treze anos de idade, mostrou grande interesse pela matemática e pela arte da navegação. Assim, não fossem as deficiências da saúde e as dores de cabeça (entremeadas por momentos de excepcional lucidez) seria um adolescente tímido, mas perfeitamente integrado na sociedade marítima e mercantil em que vivia.
Aos dezesseis anos James Watt partiu de casa em busca de trabalho; dirigiu-se para Glasgow, onde foi empregado como aprendiz numa fábrica. Não era aquele, porém, o caminho que traçara (queria ser construtor de instrumentos de medida) e, ao fim de três anos, decidiu tentar a sorte em Londres.
Logo de início, teve que se defrontar com a estrutura das corporações, que exigiam uma aprendizagem de sete anos e costumavam recrutar seus aprendizes nas famílias de seus próprios membros. Mas, finalmente, conseguiu empregar-se, com um contrato de um ano. Foi um período difícil: era obrigado a trabalhar dez horas por dia, gastando apenas 10 xelins por semana com a alimentação, para diminuir as despesas do pai. Além disso o clima de Londres, úmido e frio, causou-lhe reumatismo, obrigando-o a abandonar a cidade. De volta a Glasgow, desta vez seguro de sua notável habilidade, decidiu trabalhar por conta própria e abriu uma loja de instrumentos.
No entanto, num ambiente conservador e tradicionalista, como era a sociedade inglesa na metade do século XVIII, não era fácil conseguir fregueses entre gente desconfiada como os técnicos e navegadores; em pouco tempo seus negócios começaram a decair. Isso não representou mal irreparável, porque James conseguira granjear amigos influentes, capazes de apreciar o seu talento. Assim, em 1757 foi admitido, na qualidade de fabricante de instrumentos de medida, na Universidade de Glasgow.
O trabalho na universidade tornou possível seu primeiro encontro com o motor a vapor: certo dia recebeu a tarefa de consertar um modelo do motor de Newcomen (que constituía, no máximo, uma segunda alternativa para a força dos cavalos). Com seu espírito analítico, adquirido nos dias em que brincava de desmontar bússolas e sextantes, conseguiu descobrir os pontos fracos da máquina.
Não era essa, entretanto, a primeira vez que o jovem técnico se interessava pelas características do motor. Dois anos antes ele discutira com seus amigos algumas idéias que achava pudessem servir para melhorá-lo. Tinha tentado, além disso, realizar algumas experiências que, todavia, não deram resultados satisfatórios.
Agora, finalmente, dispunha de um motor e das peças para reconstruí-lo. Era uma ocasião verdadeiramente única, e Watt conseguiu descobrir que, para melhorar seu funcionamento, era necessário elevar a temperatura do vapor, resfriando-o depois bruscamente durante a expansão. Acrescentou então o condensador de vapor e outros artifícios destinados a melhorar o rendimento do engenho.
(Primeira máquina a vapor)
Depois de todas essas modificações o resultado era muito semelhante ao do motor ainda hoje em uso, com condensador, caixa de distribuição e sistema biela-manivela, para obter o movimento rotativo a partir do alternado.
Watt fazia todas as experiências à noite; durante o dia precisava trabalhar para manter a família, pois seu pai estava reduzido à pobreza, arruinado por empreendimentos infelizes.
Sua única distração era passar o domingo no campo, em companhia de um tio materno e de sua prima, Margaret Miller, com quem se casou em 1764. A mulher deu-lhe quatro filhos e revelou-se companheira admirável, moderando, com seu temperamento alegre, a melancolia e a insegurança do marido, durante os anos em que procuraram o sucesso.
As primeiras experiências de Watt, destinadas a mostrar os méritos do “seu” motor, não foram vitoriosas: os recursos eram escassos e, como a maioria dos inventores, ele não conseguia ordenar os seus negócios. Por quatro anos trabalhou como engenheiro civil e elaborou um projeto para um canal entre Forth e Clyde. A Câmara dos Comuns, entretanto, não aprovou o trabalho. Em 1769 fez um segundo projeto, desta vez para o canal destinado a transportar carvão para Glasgow.
Finalmente encontrou um financiador, na pessoa de J. Roebuck, para a aplicação em larga escala de sua descoberta, mas a sociedade fundada para esse fim faliu em pouco tempo. A combinação com Matthew Boulton, engenheiro de Birmingham, foi, ao contrário, muito mais afortunada. Este conseguiu em 1769 a patente para o motor de Watt e, em 1775, a prorrogação da posse por mais 25 anos. Boulton tornou-se ao mesmo tempo sócio no empreendimento que começava a traçar o caminho do sucesso.
A prova decisiva veio quando uma mina alagada, em Peacewater, foi inteiramente drenada em dezessete dias, enquanto os métodos tradicionais exigiam meses de esforço. Watt propôs também que seu motor fosse utilizado para operar os elevadores subterrâneos; o motor tinha numerosas aplicações, todas elas muito bem pagas pela indústria do carvão. Como o novo aparelho substituía os cavalos, para dar ao comprador, acostumado aos métodos tradicionais, uma idéia de sua capacidade, a potência era expressa pelo número de cavalos que podia substituir. Nasceu desse modo a expressão “horse power”, que em inglês significa potência de cavalos.
(controlador centrífugo)
Os aperfeiçoamentos no modelo inicial sucederam-se, exigindo novas patentes, em 1781, 1782 e 1784. Outra invenção foi o controlador centrífugo, graças ao qual a velocidade dos motores rotativos foi automaticamente controlada. Esse trabalho é atualmente considerado como uma das primeiras aplicações da realimentação (“feedback”), um elemento essencial para a automação.
Sua primeira patente referia-se a um motor a vapor rápido, poderoso e eficiente; no entanto, era ainda apenas uma bomba a vapor. As invenções seguintes adaptaram-no para funcionar com todo tipo de máquina. Apesar do sucesso comercial, Watt, prudente em considerar as invenções alheias, era muito crítico em relação às suas. Possuía notável carga de simpatia, o que lhe granjeou muitas amizades entre personalidades como Herschel, Shelley e Cavendish. A Royal Society de Londres e a Royal Society de Edimburgo elegeram-no “Fellow” (membro) e a Academia de Ciências da França acolheu-o entre seus membros estrangeiros. Dotado de memória prodigiosa e grande narrador, com sua voz profunda, de marcado sotaque escocês, era a alma das reuniões da Sociedade Lunar, assim chamada porque os “lunáticos” preferiam reunir-se nas noites de lua cheia, para melhor achar o caminho de volta. “Lunática” era também Arme MacGregor, que se tornou sua segunda esposa e que lhe deu dois filhos.
Em 1800, quando expirou sua primeira patente, Watt passou aos filhos a direção de seus negócios, para ocupar-se exclusivamente com novas invenções: aperfeiçoamentos do motor, um pantógrafo para escultores, um copiador de cartas.
Seus últimos anos foram completamente devotados à pesquisa, em sua propriedade de campo em Heathfield Hall, perto de Birmingham, onde morreu a 19 de agosto de 1819.