Talvez não exista no âmbito da Geologia de Engenharia e da Agronomia recomendação técnica mais simples, clara e de tamanha importância para as atividades humanas no meio rural e no meio urbano como a de conservar intacta a camada de solos superficiais, evitando removê-la ou revolvê-la.
Via de regra, a camada superficial de solos (horizonte B agronômico – algo na faixa de 0,5 a 2,0 metros de espessura) tem uma composição bem mais argilosa em relação aos horizontes inferiores (solo residual e solo saprolítico – horizonte C agronômico), o que lhe confere uma coesão entre partículas muito maior, tornando-a, por conseguinte, mais resistente aos processos erosivos de superfície.
É interessante a explicação do motivo pelo qual há mais minerais argilosos na proximidade da superfície dos terrenos. Os minerais das rochas primárias (magmáticas ou metamórficas) foram formados em condições extremas de temperatura e pressão. Ou seja, são ambientalmente compatíveis com essas condições extremas, e, portanto, francamente desarmônicos com as condições ambientais hoje vigentes na superfície do planeta. O processo de alteração de uma rocha é assim um processo que caminha na produção de novos minerais, mais compatíveis com o meio-ambiente da superfície. Desses novos minerais, os mais equilibrados com esse novo ambiente são os minerais argilosos.
Além do intemperismo (desagregação e alteração físico-química dos minerais da rocha) são também importantes na formação dos solos superficiais dois outros processos. A pedogênese, que envolve a alteração bio-química dos minerais, e a laterização, que implica na migração de íons no interior do solo. Ambos estes processos colaboram com a produção de argilo-minerais e com a cimentação das partículas por diversas classes de óxidos, o que contribui também para a forte ligação entre as partículas desses solos.
Em decorrência desses fatores formacionais, os solos superficiais chegam a ser 30 (trinta) vezes mais argilosos do que os solos das camadas inferiores. E até mais de 100 (cem) vezes mais resistentes à erosão.
Além da erosão, no meio rural o contínuo revolvimento dos solos superficiais, a não adoção de técnicas conservacionistas de cultivo como as curvas de nível, a rotação de culturas, o plantio direto, faz com que sejam lixiviados (carreados por percolação interna de água) e removidos os principais elementos nutritivos desses solos, tornando-os progressivamente estéreis para a agricultura, deficiência em parte somente compensada com expressivos gastos em fertilizantes, corretivos e defensivos agrícolas.
Do ponto de vista econômico, os processos erosivos rurais e urbanos incidem em prejuízos da ordem de bilhões de dólares/ano para a sociedade brasileira. No Brasil, a perda média de solos por erosão superficial nas áreas rurais utilizadas pela agricultura e pela pecuária está estimada em torno de 25 toneladas de solo por hectare/ano, ou seja, algo em torno de 1 bilhão de toneladas de solo perdidas anualmente, e que, agudizando o desastre, promovem o intenso assoreamento de cursos d’água, lagos e várzeas. Na área urbana o problema não é menor. Na Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo, a perda média de solos por erosão está estimada em algo próximo a 15 toneladas de solo por hectare/ano, decorrendo problemas fantásticos para a infra-estrutura urbana, com especial destaque colaborando para os gravíssimos fenômenos de enchentes. No caso urbano, o principal fator de remoção da camada superficial de solos está na problemática cultura da terraplenagem, implementada de forma intensa, extensa e despropositada nas frentes de expansão urbana, via de regra removendo por completo os solos superficiais e expondo à erosão os solos mais erodíveis das camadas inferiores.
Os prejuízos para a sociedade brasileira advindos da remoção e do revolvimento dos solos superficiais no meio rural e urbano são de tal monta que estão a exigir e inspirar uma verdadeira cruzada tecnológica por sua preservação, a ser promovida pelo Poder Público de todos os níveis e pelos empreendimentos privados diretamente envolvidos com o problema. Certamente, a primeira iniciativa neste sentido caberá ao meio técnico-científico brasileiro.
-O Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos ( santosalvaro@uol.com.br ) é autor, dentre outros, do livro: A Grande Barreira da Serra do Mar: da trilha dos Tupiniquins à Rodovia dos Imigrantes de Álvaro Rodrigues dos Santos
-Ex-Diretor da Divisão de Geologia e Ex-Diretor de Planejamento do IPT
-Consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia
Fonte:
http://ivairr.sites.uol.com.br/camadasuperficial.htm